Virgílio Baltasar_Psicólogo Clínico

Virgílio Baltasar_Psicólogo Clínico Psicologia Clínica; Neuropsicologia; a partir dos 10 anos. CP OPP: 018579. Grupo HPA de VRSA: 281530160

Métodos de intervenção psicológica: Psicoterapia EMDR, Psicoterapia Assistida por Neurofeedback Clínico, Fotobiomodulação Transcraniana.

🌐 Síndromes de Disfunção SistémicaO que são?Chamamos síndromes de disfunção sistémica ao conjunto de condições em que há...
25/10/2025

🌐 Síndromes de Disfunção Sistémica

O que são?

Chamamos síndromes de disfunção sistémica ao conjunto de condições em que há uma desregulação de vários sistemas do corpo — o nervoso, o autonómico, o imunitário e o endócrino — e em que surgem sintomas físicos reais e persistentes, muitas vezes sem uma lesão clara para explicar tudo.

Na literatura médica e científ**a, estas condições aparecem com designações semelhantes, como Functional Somatic Syndromes (FSS) ou Chronic Overlapping Pain Conditions (COPC) (Wessely, Nimnuan & Sharpe, 1999; Schrepf et al., 2024).

Este grupo de síndromes mostra que muitas doenças tradicionalmente tratadas de forma separada — como a fibromialgia, a síndrome do intestino irritável, a fadiga crónica ou a dor pélvica crónica — partilham mecanismos comuns e fazem parte de um mesmo espectro de disfunção sistémica e desregulação corporal.

✔️ A hierarquia — como se organizam?

Estas síndromes podem ser compreendidas em três níveis hierárquicos, que representam diferentes graus de complexidade e especificidade (Raja et al., 2020; Kosek et al., 2021; Schrepf et al., 2024).
Podemos imaginá-los como três camadas interligadas — do mais amplo ao mais específico — que explicam como a desregulação corporal se transforma, gradualmente, em sintomas clínicos definidos.

O primeiro nível é o das síndromes de disfunção sistémica, a categoria mais geral e abrangente (Schrepf et al., 2024). Aqui o corpo encontra-se num estado global de desregulação, com alterações da homeostase, disautonomia e inflamação crónica de baixo grau.

O segundo nível é o da síndrome de sensibilização central, que descreve o mecanismo neural que se desenvolve a partir dessa disfunção sistémica (Raja et al., 2020; Kosek et al., 2021).
O sistema nervoso central torna-se hipersensível e amplif**a sinais normais do corpo, deixando de distinguir bem entre segurança e ameaça — o fenómeno de dor nociplástica, segundo a Associação Internacional para o Estudo da Dor (International Association for the Study of Pain — IASP, 2021).

O terceiro nível corresponde às condições clínicas específ**as, ou seja, as manifestações concretas e nomeadas dessa disfunção sistémica e sensibilização neural.
São as doenças reconhecidas pela medicina que resultam desses processos e que, apesar de tradicionalmente estudadas de forma isolada, partilham mecanismos comuns de sensibilização central, inflamação crónica de baixo grau, disautonomia e disfunção neuroimunitária (Wessely et al., 1999; Schrepf et al., 2024).

Entre elas incluem-se:

Síndromes de dor e sensibilidade corporal:
• Fibromialgia
• Síndrome de dor miofascial
• Dor lombar crónica inespecíf**a
• Síndrome de dor regional complexa (CRPS)
• Enxaqueca crónica e cefaleias tensionais

Síndromes viscerais e autonómicas:
• Síndrome do intestino irritável (IBS)
• Síndrome da bexiga dolorosa / cistite intersticial
• Dor pélvica crónica (em mulheres e homens)
• Síndrome da articulação temporomandibular (ATM)
• Refluxo gastroesofágico funcional e dor torácica não cardíaca

Síndromes de hipersensibilidade e disfunção multissistémica:
• Síndrome da fadiga crónica / Encefalomielite miálgica (ME/CFS)
• Síndrome de sensibilidade química múltipla (MCS)
• Síndrome de hipersensibilidade ambiental e eletromagnética
• Sensibilidade central generalizada (CSS)
• Condição pós-COVID / síndrome pós-viral

Estas condições formam um espectro contínuo, em que o denominador comum é a perda de autorregulação do sistema nervoso autónomo e imunitário, acompanhada de hipersensibilidade sensorial e disfunção energética celular.
Assim, o que as distingue não é a sua etiologia fundamental, mas sim a localização predominante dos sintomas (musculoesquelética, visceral, encefálica ou generalizada) e as vias fisiológicas mais afetadas (Kosek et al., 2021; Raja et al., 2020; Schrepf et al., 2024).

✔️ Como se manifestam (sintomas típicos)?

As síndromes de disfunção sistémica afetam diversos sistemas do corpo ao mesmo tempo.
Os sintomas mais comuns incluem:

• Dor crónica (local ou generalizada) e hipersensibilidade a toque, luz, som, cheiro ou temperatura;
• Sintomas autonómicos: palpitações, tonturas, intolerância ao esforço, transpiração irregular, sensação de calor ou frio excessivo;
• Alterações digestivas: dor abdominal, inchaço, obstipação ou diarreia;
• Fadiga constante e sono não reparador;
• “Névoa mental” — dificuldades de concentração, lentidão cognitiva e perda de memória recente;
• Maior sensibilidade a estímulos ambientais, como produtos químicos, ruído ou luz.

Muitas pessoas sentem que o corpo “reage a tudo”, mesmo quando os exames parecem normais.
Esses sintomas são reais e refletem alterações de regulação no sistema nervoso e imunitário (Kosek et al., 2021; Schrepf et al., 2024).

✔️ Etiologia — o que está por trás?

Não existe uma causa única para os síndromes de disfunção sistémica.
A investigação mostra que eles resultam da interação entre fatores biológicos internos e fatores ambientais externos, que, ao longo do tempo, alteram a forma como o corpo se autorregula.

Os principais mecanismos envolvidos incluem:

• Alterações na nocicepção (dor nociplástica): o sistema nervoso amplif**a estímulos que antes eram inofensivos (Raja et al., 2020; Kosek et al., 2021).
• Desequilíbrio autonómico: o sistema nervoso autónomo perde flexibilidade, mantendo o corpo em estado de alerta (Thayer & Lane, 2000).
• Processos inflamatórios de baixo grau: libertação contínua de pequenas quantidades de substâncias inflamatórias no cérebro e no corpo (Kosek et al., 2021; Straub, 2023).
• Stresse prolongado e trauma psicológico: experiências adversas reconfiguram o eixo HPA e deixam uma marca epigenética na resposta inflamatória (McEwen, 2007; Straub, 2023).
• Fatores ambientais externos: infeções crónicas, disbiose intestinal, alimentação pró-inflamatória, défice de micronutrientes antioxidantes, poluição atmosférica, exposição a metais pesados, toxinas ambientais, ruído e ritmos circadianos desregulados — todos podem atuar como segundos golpes (second hits) que reativam sistemas previamente sensibilizados (Straub, 2023; Schrepf et al., 2024; NIH COPC, 2023).
• Perturbações do sono e ritmo biológico: o sono fragmentado amplif**a a disfunção autonómica e imunitária (McEwen, 2007).
• Predisposição genética e epigenética: certas variantes genéticas aumentam a vulnerabilidade à sensibilização e à inflamação crónica (Schrepf et al., 2024).

Embora múltiplos fatores contribuam para este estado, Rainer H. Straub (2023) propõe que o trauma psicológico precoce tem um papel preditivo e programador mais forte do que os restantes fatores ambientais.
Segundo o autor, o trauma precoce funciona como o “primeiro golpe” (first hit) que programa biologicamente o cérebro, o sistema imunitário e o metabolismo para reagirem de forma mais intensa e desorganizada a todos os desafios ambientais posteriores.
Assim, infeções, poluição ou stress físico apenas se tornam patogénicos num organismo previamente sensibilizado pelo trauma inicial.

▶️ Contributo de Rainer H. Straub (2023) e investigação complementar

Segundo Straub (2023), o trauma psicológico precoce é o evento biológico primário que determina como o cérebro, o metabolismo e o sistema imunitário reagirão a todos os desafios ambientais posteriores:

“O trauma psicológico precoce é o principal acontecimento de programação biológica que determina como o cérebro, o metabolismo e o sistema imunitário irão reagir a todos os desafios ambientais posteriores.”
(Straub, 2023, p. ix)

Esta perspetiva é reforçada por Entringer & Heim (2025), que revisaram cinco décadas de investigação sobre o impacto do stress precoce na inflamação ao longo da vida, mostrando que o trauma infantil está associado a respostas imunes hiperativas e inflamação crónica de baixo grau, mesmo após controlar fatores genéticos e sociais.

Estudos longitudinais (Danese et al., 2007; Slopen et al., 2013) confirmam que esta associação mantém-se independente de fatores genéticos, socioeconómicos e comportamentais — indicando que o stress precoce deixa uma verdadeira “memória biológica” nos tecidos imunitários e no cérebro.

Enquanto Straub integra estes mecanismos num modelo unif**ado de psicoinflamação e disfunção sistémica, Entringer e Heim oferecem a base histórica que mostra como a investigação tem convergido para a mesma conclusão: o trauma precoce é um dos determinantes mais poderosos e duradouros da fisiologia humana.

✔️Referências

Danese, A., Pariante, C. M., Caspi, A., Taylor, A., & Poulton, R. (2007). Childhood maltreatment predicts adult inflammation in a life-course study: The Dunedin Study. Proceedings of the National Academy of Sciences, 104(4), 1319–1324. https://doi.org/10.1073/pnas.0610362104

Entringer, S., & Heim, C. (2025). A brief historic review of research on early life stress and inflammation across the lifespan. Neuroimmunomodulation, 32(1), 24–37. https://doi.org/10.1159/000534853

International Association for the Study of Pain (IASP). (2021). IASP terminology on pain and nociplastic mechanisms. International Association for the Study of Pain. https://www.iasp-pain.org

Kosek, E., Cohen, M., Baron, R., Gebhart, G. F., Mico, J. A., Rice, A. S., Rief, W., & Sluka, K. A. (2021). Chronic nociplastic pain in humans: Challenges and perspectives. PAIN, 162(11), 2437–2445. https://doi.org/10.1097/j.pain.0000000000002103

McEwen, B. S. (2007). Physiology and neurobiology of stress and adaptation: Central role of the brain. Physiological Reviews, 87(3), 873–904. https://doi.org/10.1152/physrev.00041.2006

NIH COPC Working Group. (2023). Chronic Overlapping Pain Conditions: Scientific advances and research roadmap. National Institutes of Health. https://heal.nih.gov/research/opioid-misuse/pain

Raja, S. N., Carr, D. B., Cohen, M., Finnerup, N. B., Flor, H., Gibson, S., Keefe, F. J., Mogil, J. S., Ringkamp, M., Sluka, K. A., Song, X.-J., Stevens, B., Sullivan, M. D., Tutelman, P. R., Ushida, T., & Vader, K. (2020). The revised International Association for the Study of Pain definition of pain: What does it mean for clinical practice? PAIN, 161(9), 1976–1982. https://doi.org/10.1097/j.pain.0000000000001939

Schrepf, A., Clauw, D. J., Harte, S. E., & colleagues. (2024). The Chronic Overlapping Pain Conditions Screener: Development and validation. The Journal of Pain, 25(3), 218–230. https://doi.org/10.1016/j.jpain.2023.10.005

Slopen, N., Lewis, T. T., Gruenewald, T. L., Mujahid, M. S., Ryff, C. D., Albert, M. A., & Williams, D. R. (2013). Early life adversity and inflammation in African Americans and whites in the Midlife in the United States survey. Proceedings of the National Academy of Sciences, 110(41), 16838–16843. https://doi.org/10.1073/pnas.1314882110

Straub, R. H. (2023). Early trauma as the origin of chronic inflammation: A psychoneuroimmunological perspective. Springer Nature. https://doi.org/10.1007/978-3-662-66751-4

Thayer, J. F., & Lane, R. D. (2000). A model of neurovisceral integration in emotion regulation and dysregulation. Journal of Affective Disorders, 61(3), 201–216. https://doi.org/10.1016/S0165-0327(00)00338-4

Wessely, S., Nimnuan, C., & Sharpe, M. (1999). Functional somatic syndromes: One or many? The Lancet, 354(9182), 936–939. https://doi.org/10.1016/S0140-6736(99)80077-0

O Trauma Psicológico Precoce Como Matriz Biológica da Doença“Este livro propõe que o trauma psicológico precoce é o prin...
19/10/2025

O Trauma Psicológico Precoce Como Matriz Biológica da Doença

“Este livro propõe que o trauma psicológico precoce é o principal evento de programação biológica que determina de que forma o cérebro, o metabolismo e o sistema imunitário irão reagir a todos os desafios ambientais posteriores.”
- Rainer H. Straub, Early Trauma as the Origin of Chronic Inflammation (2023, p. ix)

O médico e investigador Rainer H. Straub, professor de Medicina Interna e especialista em imunologia, reumatologia e psiconeuroimunologia, propõe algo profundamente transformador:
o trauma psicológico precoce não é apenas mais um fator ambiental - é o evento biológico primário que programa a forma como o corpo vai reagir a todos os outros desafios da vida.

Em vez de ser apenas uma ferida emocional, o trauma torna-se uma memória fisiológica, gravada no cérebro, no metabolismo e no sistema imunitário.
É como se o trauma instalasse um software interno que define como o organismo interpreta o mundo.

🧠 O cérebro passa a detetar perigo com mais facilidade.
🩸 O sistema imunitário f**a em alerta crónico, pronto a inflamar ao mínimo sinal.
⚙️ O metabolismo muda o modo de produzir e gastar energia, preparando-se para a sobrevivência.

Assim, mesmo anos depois - e mesmo que o perigo já tenha passado - o corpo continua a reagir como se o mundo ainda fosse uma ameaça.
E essa programação inicial explica porque é que, perante os mesmos fatores ambientais (alimentação, poluição, infeções ou stress), algumas pessoas adoecem e outras não.

O trauma, portanto, não é apenas um acontecimento passado.
É o código central que organiza toda a fisiologia do corpo - o maestro invisível que define o ritmo com que os sistemas tocam a música da vida.

O trauma não é mais um fator; é a matriz biológica que define como o corpo interpreta todos os fatores.

Referência (APA):
Straub, R. H. (2023). Early trauma as the origin of chronic inflammation: A psychoneuroimmunological perspective. Springer Nature.

O Ser Humano: o Melhor e o Pior para o Nosso Sistema Nervoso“A melhor coisa para o sistema nervoso é outra pessoa.E a pi...
12/10/2025

O Ser Humano: o Melhor e o Pior para o Nosso Sistema Nervoso

“A melhor coisa para o sistema nervoso é outra pessoa.
E a pior coisa para o sistema nervoso é também outra pessoa.”
- Documentário “Deus Cérebro” (The God Brain, 2016)

O cérebro e o corpo humanos foram feitos para viver em relação. Desde a gestação e nascimento, o desenvolvimento do sistema nervoso depende da presença e da resposta do outro - é através do olhar, da voz e do toque que o bebé aprende a regular-se e a sentir segurança (Feldman, 2017; Schore, 2012). Essas primeiras experiências moldam as ligações entre o sistema nervoso autónomo, o cérebro emocional e as áreas corticais responsáveis pela empatia e pela autorregulação (Porges, 2011).

Quando estamos com alguém que nos acolhe e compreende, o coração desacelera, a respiração torna-se mais profunda e o corpo relaxa. O cérebro interpreta essa presença como um sinal de segurança, ativando a via ventrovagal - o circuito que sustenta o envolvimento social e o bem-estar (Porges, 2011). Mas quando o outro nos rejeita, critica, humilha ou ameaça, esse mesmo sistema entra em alarme: o corpo contrai-se, o coração acelera e o cérebro prepara-se para se defender (Lanius, Frewen, Tursich, Jetly & McKinnon, 2015).

Ao longo da vida, a qualidade das nossas relações molda literalmente o nosso sistema nervoso, o nosso corpo e a nossa mente. Relações seguras e afetuosas fortalecem as ligações entre as áreas cerebrais que regulam as emoções, equilibram o sistema imunitário e reduzem o stresse (Feldman, 2017; Schore, 2012). Em contrapartida, relações marcadas por medo, rejeição ou negligência mantêm o corpo num estado de alerta crónico, favorecendo o cansaço, a ansiedade, o desenvolvimento da doença (Porges, 2011).

Por isso, o ser humano pode ser tanto a maior fonte de cura como a maior fonte de ferida.
E embora as relações que nos magoaram raramente sejam as mesmas que nos reparam, é sempre através de novas experiências humanas seguras que o sistema nervoso pode reencontrar o equilíbrio. A presença genuína, o cuidado e a empatia têm poder para restaurar o que foi perdido. Como afirma Stephen Porges, “a segurança é o tratamento” (Porges & Dana, 2023, p. 11).

Referências

Feldman, R. (2017). The neurobiology of human attachments. Trends in Cognitive Sciences, 21(2), 80–99. https://doi.org/10.1016/j.tics.2016.11.007

Lanius, R. A., Frewen, P. A., Tursich, M., Jetly, R., & McKinnon, M. C. (2015). Restoring large-scale brain networks in PTSD and related disorders: A proposal for neuroscientif**ally informed treatment interventions. European Journal of Psychotraumatology, 6(1), 27313. https://doi.org/10.3402/ejpt.v6.27313

Porges, S. W. (2011). The polyvagal theory: Neurophysiological foundations of emotions, attachment, communication, and self-regulation. W. W. Norton.

Porges, S. W., & Dana, D. (2023). Our polyvagal world: How safety and trauma change us. W. W. Norton.

Schore, A. N. (2012). The science of the art of psychotherapy. W. W. Norton.

O Cérebro como uma Casa de Vários Pisos e a Psicoterapia Assistida por Neurofeedback(baseado no modelo da Neurociência A...
28/09/2025

O Cérebro como uma Casa de Vários Pisos e a Psicoterapia Assistida por Neurofeedback

(baseado no modelo da Neurociência Afetiva de Jaak Panksepp)

✔️ Imagina que o teu cérebro é como uma casa construída ao longo de milhões de anos. Cada parte tem uma função diferente, mas todas estão ligadas — e muitas delas são partilhadas com outros mamíferos, porque viemos da mesma história evolutiva (Panksepp, 1998; Panksepp & Biven, 2012).

🏠 O Rés-do-Chão → emoções básicas (hipotálamo, amígdala, periaquedutal/PAG, núcleo accumbens). É o Inconsciente.

É o piso das emoções mais básicas e instintivas, herdadas da evolução. Foi a partir deste nível que Jaak Panksepp lançou as bases da Neurociência Afetiva, no seu livro Affective Neuroscience (1998). Aqui vivem sete forças fundamentais: a curiosidade que nos faz explorar (SEEKING), o medo que nos protege (FEAR), a raiva que nos defende (RAGE), o desejo que nos aproxima (LUST), o cuidado que nos liga (CARE), a dor da separação que nos faz procurar proximidade (GRIEF) e a brincadeira que nos traz alegria e ligação social (PLAY).

Estas forças disparam de forma automática, antes de pensarmos. Quando estão em equilíbrio, dão-nos energia, vínculos saudáveis e proteção adequada. Mas, quando f**am desreguladas — por genética, experiências precoces adversas ou lesão — podem originar dificuldades como ansiedade, depressão, isolamento ou agressividade. E, em última instância, podem estar na base de qualquer perturbação mental, porque são os alicerces emocionais sobre os quais todo o resto da mente se constrói.

Se o rés-do-chão está em harmonia, o resto da casa funciona bem. Se está em alarme, todo o edifício treme.

🏠 O Primeiro Andar → memórias e integração sensorial (tálamo, hipocampo, amígdala basolateral, estriado, córtices sensoriais). É o pré-consciente.

Aqui juntamos o que sentimos com o que aprendemos. É onde f**am memórias emocionais, hábitos e também a integração dos sentidos (o que vemos, ouvimos, sentimos no corpo). Muitas destas respostas são semi-automáticas — já aprendemos e repetimos sem pensar.

🏠 O Sótão → pensamento e consciência (córtex pré-frontal, cíngulo, ínsula).

É o piso mais recente e sofisticado: pensamento, linguagem, autoconsciência, planeamento. É aqui que podemos refletir e tomar decisões conscientes. Mas este andar está sempre a receber informação dos pisos de baixo.

✔️ As primeiras experiências: as marcas invisíveis

Nos primeiros anos de vida, quando o sótão ainda está a ser construído, tudo o que acontece com a criança f**a gravado nos pisos de baixo — no rés-do-chão e no primeiro andar (Panksepp & Davis, 2017).
• Se há cuidado e segurança, os sistemas emocionais aprendem a confiar, a acalmar-se.
• Se há trauma, abandono ou medo, os alarmes f**am hipersensíveis e começam a disparar com mais força, mesmo em situações seguras.

Estas marcas funcionam como programas instalados no sistema: correm de forma automática, sem pedirem permissão, e influenciam como sentimos, reagimos e nos relacionamos, mesmo sem lembranças conscientes.

Mas há plasticidade: novos programas podem ser instalados. Novas experiências, terapias, relações seguras e intervenções no corpo conseguem recalibrar esses circuitos. O que está “escrito” cedo não é um destino totalmente imutável.

✔️ Quem manda na casa?

Apesar de o sótão ser a parte mais “inteligente”, são os pisos de baixo que controlam os de cima.
• Quando o rés-do-chão dispara medo, raiva ou tristeza, o sótão só vem depois, tentando dar sentido àquilo que já sentimos.
• Ou seja, não pensamos as nossas emoções — sentimos primeiro, pensamos depois (Panksepp, 1998; Panksepp & Biven, 2012).

✔️ O papel da Psicoterapia Assistida por Neurofeedback

É aqui que entra a psicoterapia assistida por neurofeedback.
• O neurofeedback consegue chegar aos níveis mais profundos da casa, ajudando a regular os sistemas automáticos que muitas vezes nos controlam.
• Ao treinar o cérebro a encontrar um novo equilíbrio, reduz-se a ativação excessiva do medo, da raiva ou da dor da separação.
• Isso cria uma base mais estável para que o sótão — o pensamento, a linguagem, as decisões — funcione de forma mais clara e saudável.

➡️ Conclusão

O cérebro é como uma casa de vários pisos, onde os de baixo sustentam os de cima.
• Se o rés-do-chão e primeiro andar estão em alarme, todo o edifício treme.
• Se estão equilibrados, o sótão pode pensar, refletir e criar livremente.

As primeiras experiências de vida moldam profundamente estes pisos inferiores, deixando marcas invisíveis e automáticas. Mas, com as terapias adequadas — como a psicoterapia assistida por neurofeedback — é possível recalibrar esses níveis mais profundos e reconstruir a casa por dentro, tornando-a mais estável, segura e acolhedora.

▶️Referências
• Panksepp, J. (1998). Affective neuroscience: The foundations of human and animal emotions. New York: Oxford University Press.
• Panksepp, J., & Biven, L. (2012). The archaeology of mind: Neuroevolutionary origins of human emotions. New York: W. W. Norton & Company.
• Panksepp, J., & Davis, K. L. (2017). The emotional foundations of personality: A neurobiological and evolutionary approach. New York: W. W. Norton & Company.

➡️Homens maus fazem o que os homens bons sonham✔️Todos temos um lado sombrioÉ natural pensarmos que há uma linha clara e...
23/09/2025

➡️Homens maus fazem o que os homens bons sonham

✔️Todos temos um lado sombrio

É natural pensarmos que há uma linha clara entre as “boas pessoas” e as “más pessoas”. No entanto, a experiência clínica e forense mostra que essa separação não é tão simples. Todos nós carregamos dentro de nós impulsos agressivos, hostis ou egoístas.
Este lado sombrio pode ter raízes biológicas — por exemplo, na forma como o nosso cérebro regula substâncias químicas ligadas à agressividade — e também sociais, relacionadas com a educação, as experiências traumáticas ou as pressões da vida em sociedade.

Na maioria das vezes, conseguimos controlar ou canalizar estes impulsos para formas construtivas: através do desporto, da arte, do humor, ou até em pequenas fantasias que nunca passam à ação. Mas em situações de crise, de ausência de regras, ou quando há falhas graves no desenvolvimento, esse lado pode manifestar-se de forma perigosa.

Simon resume esta ideia numa frase poderosa:

“Os homens maus fazem aquilo que os homens bons apenas sonham em fazer.”
(Simon, 2008, p. 3)

✔️Será que temos controlo sobre quem somos?

Uma das reflexões mais desconfortáveis de Simon é que não temos o controlo absoluto sobre a nossa vida.
Grande parte das nossas ações e escolhas é influenciada por forças inconscientes que não dominamos. Freud já tinha sublinhado este ponto: acreditamos ser racionais, mas, muitas vezes, estamos a seguir desejos e impulsos que mal reconhecemos.

Além disso, o contexto pode mudar tudo. Pessoas que parecem calmas e controladas podem, em situações de guerra, catástrofe ou multidões violentas, agir de forma brutal. Como se uma parte mais primitiva assumisse o comando.

E há ainda a dimensão biológica: vulnerabilidades genéticas, desequilíbrios químicos ou lesões cerebrais podem reduzir a nossa capacidade de autocontrolo.
Em suma, não escolhemos totalmente quem somos nem o que sentimos. Mas temos responsabilidade individual e societal sobre o que fazemos com isso.

✔️Se aceitarmos que todos temos dentro de nós luz e sombra, isso muda a forma como olhamos para várias dimensões da vida social.

1. O ser humano comum
Deixamos de idealizar que existem pessoas totalmente boas e outras totalmente más. Reconhecemos que qualquer um pode, em determinadas circunstâncias, ceder a impulsos destrutivos. Isto torna-nos mais humildes e também mais empáticos: em vez de projetarmos o “mal” apenas nos outros, olhamos para dentro e percebemos que partilhamos a mesma condição humana.

2. O ser humano violento ou “mau”
Quando alguém comete um crime violento, é fácil rotulá-lo de “monstro”. Mas essa explicação simples impede-nos de compreender as causas. Simon lembra que nem sempre se trata de uma doença mental diagnosticável — muitas pessoas que cometem atrocidades são avaliadas como “normais” pelos critérios clínicos.
No entanto, isso não signif**a que estejam bem. A violência é sempre um sinal de falha: uma falha de empatia, de autocontrolo ou de relação com os outros. Algo correu mal na forma como essa pessoa lida com os próprios impulsos e com a vida em sociedade. Algo correu mal no seu desenvolvimento enquanto ser humano e sobre o qual não tem controlo.

3. A doença mental e os tratamentos
Aqui está o ponto delicado: nem toda a violência é fruto de doença mental formalmente reconhecida, mas toda violência aponta para sofrimento, distorção ou desorganização na vida psíquica.
O tratamento psicológico e psiquiátrico, quando possível, ajuda justamente a dar nome a esses conflitos internos, a contê-los e a transformá-los. O objetivo não é eliminar o lado sombrio, mas integrá-lo de modo que não se traduza em destruição.

4. A justiça e as suas implicações
Se todos temos um lado sombrio, a justiça não pode limitar-se a punir. Ela deve também proteger a sociedade e, quando possível, oferecer caminhos de reabilitação. Mas há uma tensão inevitável: quando a sociedade decide se alguém é “louco” (e precisa de tratamento) ou “mau” (e precisa de punição).
O caso de Jeffrey Dahmer ilustra este dilema: alguns especialistas diziam que sofria de doença mental, outros que era plenamente responsável. O tribunal optou pela punição. A questão mostra como é difícil separar a “maldade” da “loucura”, e como a justiça navega entre compreender, proteger e castigar.

Em síntese

Aceitar que todos temos um lado sombrio não é um convite ao pessimismo, mas à responsabilidade. A violência, seja ela qual for, é sempre um sinal de que algo não está bem. O perigo maior não está em reconhecer esse lado, mas em negá-lo — porque o que é negado tende a emergir de forma descontrolada.
Se conseguirmos olhar para dentro com honestidade, podemos transformar os nossos impulsos mais sombrios em criatividade, empatia e crescimento, enquanto seres humanos e sociedade.

E talvez a lição mais importante seja esta: por trás de cada pessoa existe uma história. Respeitar essa história — mesmo quando não a compreendemos — é um passo essencial para construir uma sociedade menos violenta e mais humana.

Referência

Simon, R. I. (2008). Bad men do what good men dream: A forensic psychiatrist illuminates the darker side of human behavior (Rev. ed.). American Psychiatric Publishing.

Psicoterapia assistida por Neurofeedback: uma nova forma de tratar o trauma psicológico e as perturbações mentais➡️O que...
20/09/2025

Psicoterapia assistida por Neurofeedback: uma nova forma de tratar o trauma psicológico e as perturbações mentais

➡️O que é a psicoterapia assistida por Neurofeedback?

A psicoterapia assistida por Neurofeedback é uma forma inovadora de tratamento psicológico que combina as técnicas da psicoterapia tradicional com um método de treino cerebral baseado em neurociência. O neurofeedback consiste em registar a atividade elétrica do cérebro através de elétrodos colocados no couro cabeludo e, em tempo real, dar ao paciente um retorno dessa atividade sob a forma de imagens, sons ou vídeos. Este processo permite ao cérebro aprender a autorregular-se, reduzindo padrões de funcionamento desadaptativos e promovendo maior equilíbrio emocional, cognitivo e fisiológico (Enriquez-Geppert, Huster, & Herrmann, 2017; Marzbani, Marateb, & Mansourian, 2016; Sitaram et al., 2017).

É importante sublinhar que a psicoterapia assistida por neurofeedback não é um tratamento isolado, mas sim integrado em qualquer escola de psicoterapia (por exemplo, cognitivo-comportamental, psicodinâmica, humanista ou integrativa), bem como numa relação psicoterapêutica, sendo fundamental que o psicólogo clínico domine o campo da psicotraumatologia, dado que a maioria das perturbações mentais tem ligação direta com experiências adversas e traumáticas (van der Kolk, 2014; Fisher, 2014; Corrigan & Hull, 2015).

➡️Tipos de Neurofeedback clínico

Existem várias modalidades de neurofeedback clínico, mas as duas principais são:
1. Neurofeedback diretivo – também conhecido como neurofeedback guiado por QEEG (eletroencefalograma quantitativo). Este tipo de neurofeedback trabalha com frequências acima de 0,5 Hz, que incluem as ondas cerebrais convencionais (delta, teta, alfa, beta e gama). O psicólogo analisa padrões cerebrais específicos que se encontram desregulados e define protocolos de treino com base nesses mapas, aplicando protocolos de inibição ou de reforço de determinadas frequências (Kropotov, 2016; Enriquez-Geppert et al., 2017).
2. Neurofeedback não diretivo – também chamado neurofeedback com frequências infrabaixas ou infralentas (InfraSlow Neurofeedback). Este tipo de treino não depende da análise QEEG, mas atua em frequências fundamentais do cérebro (

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